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Outubro Rosa: a importância do diagnóstico mesmo em tempos de pandemia

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Desde 1990, quando a Fundação Susan G. Komen for the Cure criou o Outubro Rosa, este mês vem para lembrar a importância do diálogo, da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama, tipo de câncer que mais atinge mulheres — e alguns poucos homens — em todo o mundo.
 
De acordo com a idealizadora do projeto de extensão Fios de Solidariedade, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Rosana Gonçalves, doutora em fitoterapia e coordenadora do projeto Mais Saúde da UFOP, a campanha realizada em outubro é um "alerta que quebra paradigmas, trazendo à tona a necessidade de se falar sobre uma das doenças mais estigmatizadas: o câncer". 
 
No "Em Discussão" desta semana, Rosana traz um panorama dos problemas no diagnóstico e no tratamento da doença em tempos de pandemia, além de apresentar o projeto Fios de Solidariedade e ressaltar a urgência de se desconstruir o estigma que impede um diálogo aberto sobre o câncer. 
 
Para você, que está diretamente envolvida em projetos de prevenção, qual a importância da mobilização do Outubro Rosa pela conscientização do combate ao câncer de mama e outros tipos de câncer?
 
Quando se promove campanhas de prevenção, oferta-se ao participante ou usuário a possibilidade de conhecer e gerir seu estado de saúde. É o início de um ciclo de autocuidado. Campanhas pontuais como o Outubro Rosa, na minha opinião, significam a busca do coletivo, a impulsão para se tomar uma atitude. Outubro é o mês de alerta, que quebra paradigmas, trazendo à tona a necessidade de se falar sobre uma das doenças mais estigmatizadas: o câncer. O Fios de Solidariedade é um projeto de extensão que fala de prevenção e oferece suporte psicossocial ao paciente em tratamento oncológico. No Outubro Rosa movimentamos a sociedade em prol de um causa e, ao mesmo tempo, conscientizamos da importância de se cuidar.
 
Como a pandemia de Covid-19 afetou a procura e a disponibilidade dos diagnósticos e dos tratamentos de câncer?
 
A pandemia de Covid-19 nos impôs limites físicos e mentais. Os dados da Fundação do Câncer, embasados nos levantamentos de atendimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), revelaram redução de 84% no número de mamografias feitas no Brasil durante a pandemia, em comparação ao mesmo período do ano de 2019. Esses dados são mais que um alerta, eles refletem que milhares de mulheres deixaram de se cuidar, e, consequentemente, o diagnóstico precoce do câncer de mama foi retardado. A primeira hipótese que pode ser inferida é de que haverá, em 2022, um aumento significativo do número de casos de câncer. E a segunda hipótese, por consequência da não realização dos exames, é que as chances de sucesso no tratamento foram prejudicadas.  
 
Ainda sobre o atual cenário pandêmico, quais são os principais cuidados que as mulheres podem ter, sem sair de casa, para prevenir a doença?
 
Neste momento, vivenciamos o segundo ano de pandemia. O ideal é que as mulheres façam seus exames em segurança. É importante sair de casa, manter os cuidados e fazer o exame. Falamos de vida. O diferencial do câncer é o estágio de diagnóstico. Os exames, como a mamografia e o ultrassom de mamas, detectam alterações imperceptíveis ao tato ou a olho nu. Com os exames realizados, check-up em dia, vamos falar de manutenção da saúde. A observação que eu faço é conhecer o seu corpo e procurar ajuda especializada. Quando você conhece bem o seu corpo, qualquer alteração se torna perceptível. Assim, é muito importante acompanhar os ciclos de desenvolvimento biológico. Ressalto, ainda, a necessidade de não fumar, não se automedicar e de ter hábitos salutares, como praticar atividades físicas e alimentação balanceada prescrita pelo nutricionista. 
 
Há algum perfil de mulheres, quanto a faixa etária ou comportamento, por exemplo, que esteja mais suscetível a desenvolver a doença e por isso precisa ter mais atenção com a prevenção?
 
Gostaria de pontuar que o câncer de mama acomete mulheres e homens em menor percentual. Não falamos em padrões de comportamento, para evitar estigmas. O câncer (a palavra e o diagnóstico) já é discriminatório. Apontam-se sentenças em função de padrões comportamentais. O câncer de mama está ligado à mutação genética ou alteração do DNA. Para saber mais, sugiro o site do Instituto Nacional de Câncer (Inca). O Ministério da Saúde recomenda que se realize a mamografia de rastreamento em mulheres entre 50 e 69 anos. Caso haja histórico familiar de câncer de mama, o indicado é que se realize antes dessa faixa etária. A OMS e organizações médicas recomendam que a partir dos 40 anos deve-se fazer a mamografia. Há um projeto de decreto legislativo nº 679/2019 que propõe a inclusão da mamografia a partir dos 40 anos no SUS, mas ele aguarda aprovação desde 2019. 
 
Quais são as principais dificuldades que você observa no tratamento, no acolhimento e no apoio às mulheres que são diagnosticadas com algum tipo de câncer?
 
Nestes oito anos de Projeto Fios de Solidariedade, ouvimos muitas mulheres e familiares. A preocupação imediata pós-diagnóstico é o padrão estético e ser vista pela sociedade como doente. Depois, vem a comoção da família. Ser taxado como paciente oncológico, perante à sociedade que vende saúde e padrões estéticos agressivos, é estar temporariamente desacreditado. Durante o acolhimento, poder ser ouvido, expor os medos e entender mais sobre o tratamento oncológico é fundamental. A equipe multidisciplinar alicerça o acolhimento.
 
Você verifica a dificuldade das pessoas de falarem sobre o câncer e, por parte das mulheres, de sentirem as mudanças do próprio corpo? Esses ainda podem ser considerados assuntos tabus?
 
Como já expressei, a paciente é estigmatizada. Em comunidades tradicionais, os indivíduos não pronunciam a palavra "câncer", pois acreditam que é uma palavra que precede a má sorte. Tratam por "aquela doença". Profissionais de saúde não falam a palavra câncer, falam "CA", expressão negativista, reflexo de um comportamento antiquado. Se formos considerar os aspectos históricos das doenças, veremos que tudo que não se pode "dominar" é um tabu. Era assim com as pragas descritas na mitologia, na Bíblia, que assolavam uma dada região como castigo. O corpo é um tabu. A educação sexual discriminatória imposta pela sociedade se reflete como uma etapa a ser vencida pela paciente. A retirada das mamas, se olhar pós-cirurgia, a reconstrução das mamas são etapas cruciais na recuperação da paciente.
 
Se formos pensar o não falar, o medo de realizar exames, de se permitir ser examinada por um profissional de saúde são parte dos "tabus" a serem desmistificados pela ciência. Quantas vezes ouvimos de outras mulheres que não iam ao profissional médico por vergonha ou por não se sentirem seguras ou quiçá pela não permissão do marido. E estamos no século XXI. Quebrar paradigmas é só mais uma das etapas do trabalho de prevenção em saúde.
 
Como surgiu a proposta de implantar o projeto Fios de Solidariedade na UFOP?
 
O Fios de Solidariedade surgiu em 2014 como campanha de prevenção do câncer de mama e em função da demanda da sociedade. O projeto foi construído com o apoio da Assessoria de Comunicação Institucional (ACI) e da equipe multidisciplinar de saúde. Nos primeiros anos, o Fios apenas arrecadava cabelos para confecção de perucas. Em 2018, também passou a acolher as pacientes em atendimento farmacoterapêutico, nutricional e psicossocial e doar perucas. 
 
Quais são os principais resultados do projeto que você observa nesse acompanhamento das ações de combate ao câncer de mama nos municípios atingidos pela campanha?
 
O Fios não tem delimitação física (municípios, localidades). Trabalhamos com doações e acolhimento de pacientes do Brasil todo. Enviamos perucas para todo o país e fazemos o atendimento farmacoterapêutico e nutricional on-line. Este ano, fizemos durante a pandemia 15 doações de perucas e recebemos mensalmente cerca de 100 cortes de cabelo. Em parceria com outros projetos da UFOP e da sociedade civil, estruturamos mais uma conquista, o ESPERANÇAR, que é um núcleo de acolhimento de pacientes oncológicos e familiares. Cada projeto entra com sua expertise, e serão oferecidas, gratuitamente, oficinas terapêuticas, grupos de trabalho, suporte jurídico, psicossocial, nutricional e farmacoterapêutico.
 
EM DISCUSSÃO - Esta seção é ocupada por uma entrevista, no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana. O espaço tem a função de divulgar as temáticas em pauta no universo acadêmico e trazer o ponto de vista de especialistas sobre assuntos relevantes para a sociedade.
 
Confira todas as entrevistas publicadas. 

 

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