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A Obmep como ferramenta de inclusão e incentivo à Matemática

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A Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) é uma iniciativa nacional dirigida às escolas públicas e privadas brasileiras, realizada pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). O projeto conta com o apoio da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) e é promovido com recursos do Ministério da Educação (MEC) e do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

A Olimpíada foi criada em 2005 para estimular e promover o estudo de Matemática, contribuir para a melhoria da qualidade da educação básica, identificar jovens talentos, incentivar seu ingresso em universidades, promover a inclusão social por meio da difusão do conhecimento, entre outros objetivos. O público-alvo da competição é composto por alunos do 6º ano do ensino fundamental até o último ano do ensino médio.

Para conversar sobre a Obmep, o Em Discussão entrevistou Wenderson Marques Ferreira, professor do Departamento de Matemática da UFOP e atual coordenador do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade. Desde 2015, ele ocupa o cargo de coordenador regional do Programa de Iniciação Científica da OBMEP na região MG10.

O termo "olimpíada" remete a competição, disputa. No entanto, a Olimpíada parece ser uma iniciativa que vai muito além do que meramente enaltecer estudantes "mais inteligentes". O que é a Obmep, qual o seu objetivo e o que ela proporciona às escolas e aos estudantes?

Eu, como um atleta amador, não vejo as olimpíadas só como disputa. Mesmo na olimpíada esportiva, eu vejo que há um movimento muito maior do que a valorização de quem ganha medalha de ouro, de prata e de bronze. A Obmep tem o nome de "Olimpíada", mas ela é um grande movimento, um projeto nacional, tão grande quanto o tamanho do país. E um projeto nacional só consegue se desenvolver quando você tem o suporte de outras instituições, no caso, das universidades públicas brasileiras. É um projeto muito grande que visa fomentar o estudo e o ensino de Matemática.

Ele dá uma visibilidade muito grande para a Matemática nas épocas de prova, aparece na mídia, criando um movimento em 99% das escolas públicas brasileiras e agora em um número cada vez maior de escolas privadas. É um projeto que uma parte voltada para a formação de professores, que é bastante interessante, e produção de material didático, que é de domínio público. Quanto mais pessoas tiverem acesso a esse projeto e utilizarem esse material, mais a Obmep pode contribuir também para a educação básica brasileira.

Uma das coisas que eu mais gosto da Obmep: ela é um projeto de inclusão social através da ciência. Ela vai buscar alunos talentosos para matemática e vai trazer esses meninos e meninas para esse ambiente científico, para ter um contato com as universidades, para ter um curso de formação, para ser bolsista de um Programa de Iniciação Científica Jr, que é um programa que nem sempre ocupava todas as bolsas. Esse programa proporciona 6,5 mil bolsas de estudo para alunos de escolas públicas. É muita gente que se envolve nisso! É um projeto de inclusão social por meio da ciência e é um projeto aberto para todo o país.

Os dados fornecidos pela Obmep apontam diversos indicativos. Por exemplo, percebe-se um predomínio dos colégios militares nas notas mais altas entre as instituições públicas, não importa a categoria de medalha; historicamente, Minas Gerais costuma "rivalizar" com São Paulo, como estados com mais medalhistas e menções honrosas, provavelmente por serem estados populosos; a proporção de medalhistas do gênero feminino é significativamente menor do que do masculino etc. Qual a relevância dessas estatísticas referentes às premiações? Acha que são questões em torno das quais se deveria mover esforços para buscar um equilíbrio ou isso não deveria ser o foco?

A Olimpíada é um projeto e a educação é um projeto muito mais complexo! Então, ela contribui, mas não vai abarcar todas essas nuances que você levanta, que são verdadeiras. Em relação aos estados, é por população mesmo. Os estados que têm maior população vão ter mais medalhas. Isso pela própria distribuição geográfica da população no país. Claro que também tem a ver também com a qualidade educacional.

Em relação à questão de gênero, realmente, eu a noto e tenho os dados da minha coordenação. Tem mais meninos e, principalmente, essa diferença se acentua no ensino médio. Então, nos níveis iniciais, por exemplo, 7º e 8º anos, a diferença é menor. Já no ensino médio, há, sim, uma diferença que se acentua, com o número de meninos maior. Tem estudos sendo realizados sobre isso e há algumas semanas recebemos a solicitação de uma mestranda que está tentando fazer esse levantamento. Mas, como professor com 20 anos de atuação, eu não acho que seja algo biológico ou de gênero, porque eu já tive meninas muito talentosas, meninas de grande sucesso. Então, eu não sei explicar. No entanto, existe socialmente um estereótipo. Se você jogar no Google, por exemplo, "cientista", vai aparecer um homem branco, né? Talvez isso também dê alguma pista para entender por que a sociedade tem esse caminho que traz os meninos mais para a matemática e as meninas, não. Mas a resposta a essa pergunta é muito complicada.

Sobre os colégios seletivos, os colégios militares, os institutos federais, as escolas que já têm um processo seletivo de entrada, em geral, têm notas melhores. Mas a Olimpíada coloca uma cota também, e existe uma limitação de medalhas para essas escolas. Em vez de pensarmos em como barrar essas escolas, poderíamos pensar sobre o que elas têm que faz com que se destaquem mais, não só na Olimpíada de Matemática, mas em qualquer outra olimpíada — competições de robótica, de astronomia, de física. Acho que daí vem alguma resposta. Acho que aí vem alguma resposta. O sucesso dessas escolas pode mostrar para nós alguns caminhos, alguns sinais de para onde deveria ir a educação básica das escolas regulares não seletivas.

Quais aspectos da Obmep você avalia que deveriam ser melhorados?

É um projeto muito grande. Participam dele cerca de 18 milhões de estudantes. Arredondando, são cerca de três vezes a quantidade de participantes do Enem. Então, é muita gente para 6.500 medalhas! É um projeto enorme e, num projeto deste tamanho, num país deste tamanho, sempre tem coisas para melhorar. Para mim, uma coisa que acho que melhoraria muito o programa seria termos certeza de que seu financiamento fosse sempre garantido. Porque a cada ano não sabemos se no ano seguinte vai ter bolsa para professores que participam do programa de formação, se vai ter bolsa para fazer um encontro regional, que é um momento muito importante no qual trazemos os medalhistas aqui, principalmente hoje, que muitos deles estudam online. Então, ter essa certeza, permitir que se consiga planejar o ano que vem sem muita insegurança, acho que é uma coisa que poderia muito evoluir. E aí é uma política de Estado, de Governo. Não adianta termos ideias se os recursos não aparecem. Para mim seria muito importante se acontecesse.

Agora, eu sou daquele tipo: "por mim, quanto mais meninos eu colocar para dentro deste programa, melhor". Nós temos 6.500 bolsas no país. Se aumentasse para sete, oito, dez mil, eu ficaria feliz. Para mim, quanto mais meninos e meninas eu conseguir trazer para estudar, quanto mais polos eu conseguir abrir aqui na minha região — e eu acho que eu posso falar pelos outros coordenadores do Brasil também —, para nós seria melhor. E quanto mais nós conseguíssemos levar esse material produzido também para a sala de aula, dar mais visibilidade a esse material para os professores que atuam, também iria ser uma grande contribuição. Eu acho que isso seria alguma coisa que faria o programa avançar ainda mais.

Você também é coordenador regional do Programa de Iniciação Científica Jr (PIC) da Obmep na região MG10. Como é sua atuação?

Eu coordeno uma das regiões. O Brasil é dividido em várias regiões. Alguns estados com menos população têm um coordenador. Minas tem oito. Então eu sou um dos oito coordenadores do estado de Minas Gerais e trabalho com alunos de várias cidades, começando aqui na região dos Inconfidentes e indo até a divisa com o Espírito Santo, região de Manhuaçu, região de Conselheiro Lafaiete, de Dores do Turvo. Esses são os meus centros e eu trabalho com todas as cidades que estão nesse entorno.

Eu recebo a listagem dos medalhistas, em geral, em novembro e dezembro. E aí faço todo o planejamento de como vai ser o Programa de Iniciação Científica desses estudantes. Se eles estiverem concentrados [numa região], eu consigo montar um polo presencial, colocar um professor presencial. Se eles não estiverem concentrados, conseguimos montar turmas online.

E neste trabalho, este ano, eu coordeno 12 professores, que têm turmas de mais ou menos 20 alunos cada um, atendendo também outras regiões do país. Ou seja, os meus professores atendem quase todos os meus alunos, mas nós também atendemos outras regiões. Hoje, nós temos muitos alunos do Norte, do Nordeste do Brasil, que fazem o PIC online com os nossos professores. Além de toda essa organização, a coordenação faz também a parte de formação desses professores, porque o material da Obmep é bem diferente do material que é trabalhado na escola regular. Temos um processo de formação constante, seguindo um calendário nacional, e fazemos toda essa intermediação entre esse aluno e o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), desde o recebimento de seu nome até o fim do PIC.

Em paralelo, eu coordeno junto com o professor Vinícius Almeida, que é o meu parceiro aqui do Departamento de Matemática (Demat) nas questões da Olimpíada, o projeto Olimpíada de Matemática na UFOP, que é um projeto de extensão, a partir do qual tentamos trazer para algumas escolas aqui da região um trabalho parecido com o trabalho que fazemos com os medalhistas. Tentamos conseguir bolsas para alunos daqui da licenciatura ou do bacharelado em Matemática e tentamos mobilizar as escolas de Ouro Preto que não têm um bom desempenho na Obmep.

Esses professores que você coordena, quem são? São da Universidade?

Não. Por muito tempo só os docentes universitários puderam ser os professores do PIC, e era um trabalho diferente. Hoje são professores da rede pública. A condição para que esses educadores trabalhem e participem no programa, que é visto como um programa de formação para eles, é que sejam profissionais atuantes na escola pública. São da rede municipal ou da rede estadual, de escolas públicas não seletivas, não podendo ser de um Instituto Federal (IF) ou de escola militar. Nesta edição temos professores de Ouro Preto, de Dores do Turvo, de diversas cidades de Minas Gerais.

Como funciona o PIC?

O Programa de Iniciação Científica da Obmep é o prêmio para o aluno que se destacou na Olimpíada e aborda temas de Matemática. Ele [o tema] é padronizado para o estudante que faz pela primeira vez, né? Não tem como dar 6.500 temas para eles. E aquele que tem muitas medalhas, aí sim, vai para um programa mais individualizado com algum professor. Para alguém que já tenha quatro, cinco participações, ficaria até maçante refazer o mesmo programa, apesar de todos os anos ser feita alguma mudança. Esse grupo multimedalhista, sim, faz um estudo mais individualizado.

Não há envolvimento local de nenhuma universidade na organização da Obmep. Você considera que há espaço para isso, de alguma forma?

Acho que dá pra fazer uma parceria interessante entre a Obmep e as universidades. Por exemplo, no projeto de extensão que temos na UFOP, todas as vezes que vamos divulgar a Olimpíada, divulgamos a UFOP. No nosso último encontro regional, o auditório que usamos estava lotado de alunos do PIC. A equipe da Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) do programa "Cotas pra quem?" veio fazer uma divulgação da UFOP, que termina sendo uma divulgação de todas as universidades públicas, porque eles mostraram como que alguém de escola pública, que é o caso da maioria deles, pode entrar em uma universidade pública através da Lei de Cotas.

Então, essa parceria é de mão dupla. Recentemente (27 de outubro), saiu uma reportagem com um aluno nosso e uma das coisas que esse menino colocou é o seguinte: "A primeira vez que eu pisei numa universidade foi quando eu fui à UFOP e ao encontro do PIC". Isso é muito comum para os meus alunos, porque são de cidades muito longe, muito pequenas. Esses meninos e meninas não estão com a universidade pública no radar. Ter a coordenação aqui dá uma visibilidade para a Obmep aqui dentro da UFOP para esse público. Então eu acho que é muito interessante. Acho que dá para trabalhar junto.

Como é desenvolvido e como você avalia o trabalho realizado com os medalhistas em âmbito regional? Percebe possibilidades de ampliação?

Na verdade, é a parte que eu mais gosto, que é lidar com os medalhistas e menções honrosas. Esse trabalho é desenvolvido através das aulas que eles têm com os professores da equipe. O estudante tem contato direto com a gente desde que ele é medalhista, o que é divulgado sempre no fim do ano. Já entramos em contato com eles, com as escolas, com os responsáveis, esclarecemos como é o programa e eles já passam a ser vinculados à nossa coordenação. Fazemos toda essa intermediação com o Impa, iniciando pelo envio da documentação para o recebimento da bolsa e terminando com o PIC propriamente dito. Eu sou do tipo de coordenador que, para mim, quanto mais alunos, melhor. Então cada vez que eu descubro que tem bolsa ociosa eu peço para chamar o próximo da nossa região. Como a região é muito grande, não dá para ter um contato físico com eles sempre. Tem alguns que estudam aqui em Ouro Preto, que às vezes até visitam o Departamento, tem alguns que vêm para estudar no IF; mas com outros a coordenação tem um contato mais online.

Qual o impacto a ser ressaltado da Obmep nas escolas públicas? Você percebe melhorias efetivas? Considera que a Olimpíada ajuda a fomentar o gosto pela Matemática, uma disciplina muitas vezes temida pelos estudantes?

Isso é outro folclore, a Matemática não é tão temida! Precisamos parar de repetir esses clichês, porque eles vão reforçando essa ideia. Eu acho que a Olimpíada contribui bastante. Como eu já falei, ela dá visibilidade, ela forma professores, divulga materiais, produz materiais de qualidade, cria um clima de estudos da Matemática, que é um clima bastante positivo na época das provas. Então, acho que ela contribui bastante. Ela não é exclusivamente governamental, é um projeto de sucesso já há 18 anos, principalmente porque ela trabalha com educação básica e com os talentos que estão lá, muitos esperando para serem descobertos. Se você observar, uma das características que é unanimidade na Matemática é que aquilo que você aprendeu no seu primeiro dia de aula na escola — não importa se você vai ser um cientista da Nasa, um médico, um engenheiro, um professor de Matemática — você vai usar para o resto da vida: o mesmo sistema de medir, os mesmos algarismos, os mesmos raciocínios, as mesmas propriedades. Então, se começarmos a melhorar a educação lá na base, vamos facilitar a caminhada de muita gente. E vai ajudar a perdermos essa ideia — que não é verdade — de que ela é temida, de que ela é difícil.

Outra coisa, ao se aproximar das universidades públicas — eu falo de onde eu conheço —, ela [a Olimpíada] tem muito a contribuir. Só que, aqui na UFOP mesmo, no Departamento de Matemática, no Departamento de Educação Matemática e em muitos outros, tem muita gente com muita ideia boa em relação ao ensino, com muito projeto interessante, muito projeto ligado à Olimpíada ou ligado ao ensino de Matemática, que pode contribuir muito. A questão é fazer esses projetos saírem e chegarem lá na base. Muitas vezes, o próprio programa de formação da Obmep ou qualquer outro programa de formação consegue dar uma formação bem legal para o professor. Tem estudos, ideias, gente boa e gente séria trabalhando, mas os governos brasileiros precisam colocar a educação como prioridade, e em todos os níveis: municipal, estadual e federal. Porque aí, sim, todos esses esforços, todos esses projetos, como a Obmep ou outros tantos, vão conseguir fazer uma diferença, porque isso vai ser implementado. Trabalhar com a educação básica é outra coisa que é difícil, mas dentro da nossa possibilidade, vamos lutando. Aliás, se não for de luta, não dá para ser professor.

Sabemos do destaque das escolas militares como instituições de excelência na Olimpíada, sendo premiadas com grande parte das medalhas. Mas, no lado oposto desses rankings, como você analisa o papel da Obmep para instituições públicas sem o mesmo prestígio e com menor infraestrutura? As ambições na Obmep deveriam variar de acordo com o perfil das escolas?

Eu acho que o fato de a Olimpíada não deixar essas escolas para trás já é uma coisa que deve ser muito destacada. Se a escola é pequena, do interior, ela vai participar. Então, participar já é uma coisa muito interessante. Poderia ser uma olimpíada que restringisse essa participação às capitais, às escolas com "tantos" alunos ou às que já tivessem recebido algum prêmio, e não é esse o caso. Então, essa questão de universalizar me parece muito interessante. Nós temos escolas muito pequenas, de cidades muito pequenas, às vezes de distritos, e que conseguem ter um bom desempenho, muito melhor do que muitas escolas grandes. E aí, falando como alguém que vem do interior, que estudou em área rural, para mim, saber que essas escolas não são deixadas para trás é uma coisa que eu valorizo muito.

EM DISCUSSÃO - Esta seção é ocupada por uma entrevista, no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana. O espaço tem a função de divulgar as temáticas em pauta no universo acadêmico e trazer o ponto de vista de especialistas sobre assuntos relevantes para a sociedade.  

Confira todas as entrevistas já publicadas.  

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