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Direitos trabalhistas: história, políticas e reformas

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A história do direito do trabalho começa a ser desenhada no século XVIII, quando os trabalhadores das indústrias carboníferas inglesas começam a exigir melhores condições de trabalho. As primeiras regulamentações, conhecidas como legislações industriais, buscavam, por exemplo, proteger crianças e mulheres e limitar a jornada de trabalho em 12 horas diárias.
 
Atualmente, o maior princípio do direito trabalhista é o protetor, uma vez que o trabalhador, em sua relação de trabalho, assume uma posição inferior e de dependência financeira do empregador. Sendo assim, o direito trabalhista funciona como uma ferramenta para fornecer equilíbrio entre o sujeito contratado e o contratante. 
 
No Brasil, a primeira legislação trabalhista foi criada em 1934, no governo de Getúlio Vargas, garantindo aos trabalhadores direitos básicos, como salário mínimo, jornada de trabalho como conhecemos hoje, de 8 horas diárias, férias e liberdade sindical. Porém, foi só em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que esses direitos foram sistematizados em um único documento e, desde então, essas são as leis que normatizam o trabalho no país.
 
Nessas sete décadas que se passaram, as leis trabalhistas sofreram modificações: no governo João Goulart, quando o presidente incluiu os trabalhadores rurais na CLT; na ditadura militar, quando foi mutilado o direito à greve; e, mais recentemente, no governo de Michel Temer, quando foi feita uma reforma trabalhista.
 
Para debater pontos importantes do Direito do Trabalho no Brasil e a última reforma trabalhista, o "Em Discussão" desta semana traz o professor da graduação e pós-graduação do Departamento de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Amauri Cesar Alves. O docente coordena o Grupo de Estudos de Direito do Trabalho (GEDIT) da Universidade e é Membro do Comitê de Mediação e Humanização das Relações de Trabalho (COMHUR-UFOP).
 
Professor, a nova reforma trabalhista fez alterações importantes. Quais foram as principais mudanças e quais os impactos delas para o trabalhador?
 
O processo de reforma trabalhista iniciado pelo governo Temer em 2017 vem se aprofundando nos últimos anos. Em breve análise, é possível afirmar que as principais mudanças negativas para o trabalhador foram as seguintes: restrição de pagamento de alguns (específicos) períodos de tempo à disposição do empregador; fim do pagamento do deslocamento interno do empregado desde a portaria até o posto de trabalho; fim do pagamento do deslocamento casa–trabalho–casa até então reconhecido (para alguns casos) como horas "in itinere"; ampliação das possibilidades de compensação informal de jornada; permissão de contratação de sistema 12x36 por ajuste individual, sem ACT ou CCT; permissão de contratação de jornada de 12 horas sem intervalo; banco de horas sem negociação coletiva (ACT ou CCT); fim da dobra do feriado no sistema 12x36; pagamento apenas parcial do intervalo parcialmente suprimido; fixação de plano de cargos e salários sem homologação estatal; fim da ultratividade de ACT e CCT; fracionamento das férias em até três períodos a critério do empregador, e, por fim e pior, terceirização ampla, geral e irrestrita, para toda e qualquer atividade. São apenas alguns exemplos.
 
As políticas econômicas geralmente estabelecem uma relação direta entre a redução dos direitos trabalhistas e o crescimento econômico. Essa relação é real?
 
Não há — e isso está suficientemente comprovado — nenhuma relação entre redução de direitos trabalhistas e crescimento econômico. Ao contrário. Redução de direitos, no Brasil e no mundo, gera pobreza. No final das contas, em qualquer lugar do mundo, direito trabalhista corresponde a dinheiro no bolso do trabalhador. Se você reduz direitos trabalhistas, automaticamente reduz dinheiro no bolso do trabalhador. Se você reduz dinheiro no bolso do trabalhador, você atinge, negativamente, a imensa maioria do mercado de consumo. Sendo assim, nunca se provou, em nenhum momento histórico e em nenhum lugar do mundo, essa tese absurda de que reduzir direitos gera riqueza. Há provas abundantes do contrário: reduzir direitos gera pobreza. 
 
Com a pandemia, muitas empresas aderiram ao regime de home office ou de teletrabalho. Como podemos diferenciar os dois e como as leis trabalhistas se aplicam nesses regimes?
 
Na CLT só há previsão para o teletrabalho. Em síntese, o teletrabalho tem previsão na CLT nos artigos 75-A, 75-B, 75-C, 75-D e 75-E, que estabelecem regras específicas para o trabalho que é realizado fora das dependências do empregador em razão de ser mediado pela tecnologia da informação e comunicação. As regras, por deixarem situações controvertidas, principalmente após a ampla utilização do teletrabalho durante a pandemia do novo coronavírus, foram alteradas pela Medida Provisória 1.108 de 2022 (MPV 1108/2022). O teletrabalho pode ser desenvolvido em qualquer lugar que permita acesso à internet (cafés, bares, praia, escola, trânsito, etc.). Já o home office, como o nome indica, será desenvolvido na residência do trabalhador. Não há distinção jurídica relevante entre home office e teletrabalho. O home office, juridicamente, é o teletrabalho na casa do trabalhador. 
 
A Lei do Estágio considera essa atividade como uma relação de trabalho? O que a diferencia?
 
Não. O estágio não gera vínculo de emprego. Particularmente, na minha doutrina, eu entendo que no estágio não há nem trabalho nem emprego. Alguns entendem que há trabalho, mas não há emprego. Mas há consenso de que não há direitos trabalhistas da CLT para estagiários. Para mim, o contrato de estágio não decorre de uma relação de trabalho. O que há — se respeitadas as finalidades do estágio — é um ato educativo escolar supervisionado, e não uma disposição de força produtiva no mercado. O concedente do estágio, sempre que o contrato for hígido, não explora trabalho alheio, mas sim concorre positivamente para a formação profissional de alguém. Em razão disso, dessa formação prática que o contratante dá ao estagiário, a lei exclui a obrigação de pagar direitos trabalhistas celetistas. 
 
Na atualidade, ainda ocorrem flagrantes de trabalho similar à escravidão. Como você avalia a existência desse tipo de situação? Essa é uma condição mundial ou localizada?
 
É talvez o pior problema do Direito do Trabalho brasileiro, que vem piorando ao longo do tempo. É a caracterização do descaso do capitalista brasileiro com aqueles muitos que trabalham para a riqueza de poucos. É a absurda coisificação do trabalhador, sua objetificação, que já deveria ter acabado no país. É também fruto de uma cultura escravista que não desapareceu no Brasil por força das normas legais. Não se muda cultura pela força da lei, necessariamente. O Brasil é um país racista e muitos ricos têm ódio e nojo dos pobres. Assim, escravizar é algo natural para alguns poucos detentores de poder nesse país. Embora não seja especificidade brasileira, a escravidão por aqui aparentemente é maior, mais ampla e em alguns casos naturalizada. 
 
Muitos trabalhadores informais estão cadastrados em aplicativos, como os de entrega de produtos e de transporte, e essa relação com as empresas de aplicativos tem sido questionada. Podemos indicar diferenças nessa relação em outros países, em relação ao Brasil?
 
Como o fenômeno do trabalho mediado por aplicativos é mundial, a resistência das empresas ao vínculo empregatício e aos direitos trabalhistas também é global. Não há muita diferença em relação à divergência entre as empresas e os trabalhadores nos tribunais no Brasil e no mundo. Há, também, decisões judiciais diferentes não só nos diversos países do mundo, mas também entre diversos tribunais no Brasil. A divergência se dá em torno do reconhecimento ou não da relação de emprego entre o trabalhador e a plataforma. Há quem entenda (tribunais no mundo inteiro) que há relação de emprego e há quem entenda que não existe. Essas divergências provavelmente não serão sanadas no curto prazo.
 
Em outros países, a relação das pessoas com o trabalho tem se alterado, inclusive com a redução dos dias ou horas de trabalho sem perda salarial. Podemos esperar mudanças semelhantes no Brasil nos próximos anos?
 
Essa é uma medida excelente. Mais tempo livre sem perda de dinheiro significa mais gastos. Mais gastos significa uma economia mais pujante, diversificada, maior e melhor. Isso já foi feito antes, com ganhos. Até 1988 a disponibilidade semanal de trabalho no Brasil era de 48 horas. Quando reduzimos para 44 horas, houve a natural choradeira dos patrões, pois não haveria (como não houve) redução de salários. Depois, obviamente, houve o reconhecimento de que tal medida não trouxe prejuízo para ninguém! A Europa sempre esteve à frente em matéria de limite de horas semanais de trabalho. E vai continuar evoluindo. Nós evoluiremos também, mas por aqui sempre demoramos mais.
 
Podemos esperar mais mudanças nas leis trabalhistas nos próximos anos? O que pode mudar diante das novas configurações do trabalho?
 
Tudo depende do resultado das eleições de 2022. Tanto para a Presidência da República como, talvez principalmente, para o Congresso Nacional. Uma certeza há: vai haver mudanças e elas serão muitas. As mudanças a partir de 2023 provavelmente serão radicais. Agora, se serão mudanças para garantir mais direitos para os trabalhadores ou para garantir mais vantagens para os patrões, quem vai decidir é o eleitor.
 
EM DISCUSSÃO - Esta seção é ocupada por uma entrevista, no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana. O espaço tem a função de divulgar as temáticas em pauta no universo acadêmico e trazer o ponto de vista de especialistas sobre assuntos relevantes para a sociedade.
 
Confira todas as entrevistas publicadas.  

 

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